O filho do ex-Presidente angolano José Filomeno dos Santos “Zenu” foi condenado a cinco anos de prisão, no caso “500 milhões”. A irmã Tchizé dos Santos diz que se quer atingir o pai.
‘Zenu’ dos Santos foi condenado pelo crime de burla por defraudação, na forma continuada, a quatro anos de prisão maior e pelo crime de trafico de influências na forma continuada a dois anos de prisão, num cúmulo jurídico de cinco anos.
Tchizé dos Santos já lamentou a condenação do irmão, considerando que o objetivo era atingir o pai. “Usar-se os filhos para fazer mal ao pai politicamente mais forte que hoje escolhem como adversário político, mas por sinal tudo lhes deu… que cobardia”, afirmou numa mensagem escrita enviada à Lusa.
Para a empresária e ex-deputada do MPLA, que lançou recentemente o projeto digital “Lifestyle em português” e se assume atualmente como influenciadora digital, o facto de o tribunal não ter validado a carta onde o antigo chefe de Estado confirmava ter dado ordem, por escrito, para a transferência irregular dos 500 milhões de dólares que foi alvo do processo, é “uma vergonha”. “Se o antigo Presidente disse que foi ele que ordenou [a transferência] então por que foi “Zenu” o condenado?” – questionou.
Segundo Tchizé dos Santos, se o tribunal tinha dúvidas sobre a carta deveria aguardar “até 2022 e nessa altura chamaria o antigo presidente”, que goza de imunidade.
O ex-presidente de Angola afirmou ter orientado o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, outro dos arguidos do processo, relativamente à transferência, garantindo que tudo foi feito no interesse público, mas o Ministério Público levantou dúvidas sobre a autenticidade da carta que José Eduardo dos Santos remeteu ao Tribunal Supremo de Angola.
“Não faz sentido recusar declarações do ex-Presidente da República (PR) sobre matérias de decisão sua”, considerou Tchizé dos Santos.
“Espero que se corrijam os factos e se valide a carta do ex-PR, José Eduardo dos Santos, a bem da justiça, ou este julgamento não passou de um teatro com um fim encomendado”, declarou à Lusa a empresária.
Para Tchizé dos Santos, “só se pode concluir que havia já o objetivo de condenar o filho para perseguir o pai, politicamente mais forte”, considerando que está em causa “uma violação grosseira” dos direitos humanos e da Constituição da República de Angola.
Além de “Zenu” foram também condenados os outros quatro arguidos a penas de prisão que variam entre os dois e os oito anos. Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola, foi condenado pelo crime de peculato na forma continuada em seis anos de prisão maior e pelo crime de burla por defraudação na forma continuada a quatro anos de prisão maior, totalizando uma pena única de oito anos de prisão maior.
António Samalia Bule, ex-diretor de gestão do BNA foi condenado por um crime de peculato a quatro anos de prisão maior e um crime de burla por defraudação na forma continuada a três anos, numa pena única de cinco anos de prisão maior.
Jorge Gaudens Sebastião, empresário e amigo de longa data de Zenu dos Santos, filho do ex-presidente angolano, foi condenado pelo crime de burla por defraudação na forma continuada em cinco ano de prisão maior e pelo crime de tráfico de influências a dois anos de prisão, numa pena única de seis anos de prisão maior.
Os réus foram absolvidos do crime de branqueamento de capitais e vão continuar em liberdade face ao recurso interposto pela defesa que vai recorrer ao plenário do Tribunal Supremo.
O processo era relativo a uma transferência irregular de 500 milhões de dólares do banco central angolano para a conta de uma empresa privada estrangeira sediada em Londres, com o objetivo de constituir um fundo de investimento estratégico para financiar projetos estruturantes em Angola.
A solicitação para ouvir José Eduardo dos Santos foi pedida pela defesa de Valter Filipe.
Na carta enviada ao tribunal, José Eduardo dos Santos confirmou ter dado orientações a Valter Filipe e ao ex-ministro das Finanças, Archer Mangueira, para realizarem as ações necessárias para conseguir a captação do dinheiro disponível neste fundo.
Indicava ainda que estas ações serviriam para obter um financiamento que iria contribuir para a saída da crise económica e para a promoção do desenvolvimento económico e social e para o progresso do país.
Segundo escreveu, as suas orientações serviriam para o cumprimento destes desígnios, “tendo em atenção o interesse público”.
O caso que leva agora José Filomeno dos Santos a ser o primeiro filho de José Eduardo dos Santos a ser preso (isto já depois de ter estado em prisão preventiva) remonta a agosto de 2017.
O Ministério Público de Angola acusava José Filomeno dos Santos de montar, juntamente com outros três condenados, um esquema que tentou desviar 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola. As reuniões descritas pelo despacho de acusação remontam ao verão de 2017, altura em que decorriam os últimos meses de poder de José Eduardo dos Santos, a quem João Lourenço sucedeu na presidência de Angola em setembro do mesmo ano.
De acordo com a acusação, a que o Observador teve acesso à altura, o então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe Duarte da Silva, celebrou naquela altura vários contratos de prestação de serviços com a empresa Mais Financial Services. Esta, porém, sem ter prestado quaisquer serviços nesse sentido, detalhava a acusação, teria recebido transferências de dinheiro diretamente do BNA.
O contrato mais sonante era no valor de 500 milhões de dólares norte-americanos (o que à data valia 425 mihões de euros) para uma empresa de Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de “longa data” do filho do ex-Presidente.
A acusação referia ainda que a transferência dos 500 milhões de dólares foi possível apenas porque o governador do BNA ordenou “verbalmente” que ela fosse feita, ao arrepio das regulações e das suas competências. O montante avultado fez soar alertas em Londres, onde a quantia chegou a estar congelada.
As suspeitas em torno deste crime, entretanto dado como provado pela Justiça angolana, levaram a que José Filomeno dos Santos fosse preso preventivamente em setembro de 2018.
Em novembro do mesmo ano, João Lourenço deu uma entrevista ao Expresso, onde fez menção a este caso. Embora não tenha referido nomes, a alusão era clara. “Como se isso não bastasse, ainda houve a tentativa de retirada dos parcos recursos do Estado de cerca de 1,5 mil milhões de dólares para serem depositados numa conta no exterior de uma empresa de fachada”, disse João Lourenço. “Foi uma jogada de alto risco que, felizmente, graças à colaboração das autoridades britânicas, conseguimos fazer abortar, depois de terem saído 500 milhões de dólares.”
Naquela entrevista, João Lourenço queixava-se de ter encontrado uma situção em que “os cofres do Estado já [estavam] vazios”. “E com a tentativa de os esvaziarem ainda mais!”, acrescentou.
Dias depois da publicação daquela entrevista, José Eduardo dos Santos, ainda presidente do MPLA mas já ex-Presidente de Angola, deu uma conferência de imprensa onde disse: “Não deixei os cofres do Estado vazios quando na segunda quinzena do mês setembro de 2017, fiz a entrega das minhas funções ao novo Presidente da República”.