Fonte: Jornal de Angola
O Porto de Luanda e a TAAG Linhas Aéreas de Angola estão entre as cinco empresas tuteladas pelo Ministério dos Transportes que se furtaram à obrigação de apresentar ao Estado os relatórios e contas referentes a 2019, cujo prazo de entrega terminou em Junho, apurou o Jornal de Angola.
Cada uma mais estratégica que a outra para o país, as duas empresas não aparecem na lista divulgada pelo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), órgão responsável, entre outras atribuições, pela monitorização do sector empresarial público.
Também ausentes da lista estão os portos de Amboim, do Namibe e de Cabinda, que, apesar de beneficiarem, todas elas, de um alargamento do prazo de entrega do documento, de Abril para Junho, colocaram-se entre as incumpridoras da Lei de Bases do Sector Empresarial Público, que estabelece a obrigatoriedade de prestação periódica de contas ao accionista Estado.
Entre as 10 empresas que aparecem na lista do IGAPE, o equivalente a 67 por cento de um total de 15 que configuram o universo empresarial público do sector dos transportes, oito têm os relatórios “manchados” de reservas dos auditores externos (Ver quadro).
As principais reservas, de acordo com o perito em contabilidade Félix Novais, incidem sobre as imobilizações corpóreas e incorpóreas, existências, contas a receber, capital, disponibilidade, provisões para outros riscos e encargos, contingências fiscais e créditos de vendas e prestação de serviço.
Entre as inconformidades verificadas há, ainda, os casos da Empresa Nacional de Navegação Aérea (ENNA) e do Caminho de Ferro de Moçâmedes (CFM), cujos relatórios e contas não trazem sequer o parecer da auditoria externa, o que levanta dúvidas à volta da fiabilidade dos dados reportados. Contas feitas, de acordo com dados compilados pelo perito em contabilidade, o sector registou resultados negativos na ordem de 283,064 milhões de kwanzas, não tendo sido capaz de gerar valor económico para o accionista Estado.
No global, todas as empresas do subsector dos transportes ferroviários, apresentaram resultados negativos, com destaque para o Caminho de Ferro de Luanda (CFL) cujos prejuízos totalizaram 298,261 milhões de kwanzas. Em sentido contrário destaca-se o contributo positivo da Sociedade Gestora de Aeroporto (SGA SA) que possibilitou um equilíbrio razoável dos números agregados do sector, com um resultado positivo de 9,904 milhões de kwanzas sem, no entanto perturbar a conclusão de que, no cômputo geral, o sector teve um desempenho negativo.
Em pior situação estão a TCUL e Sécil Marítima, cujos resultados, na opinião de Félix Novais, demonstram estarem em falência técnica. A continuidade da actividade das duas empresas, prosseguiu, está dependente do apoio financeiro do Estado, enquanto accionista. As duas empresas apresentaram capitais próprios negativos. Com um passivo no valor global de 9,466 milhões de kwanzas e activos na ordem de 4,414 milhões de kwanzas, a TCUL tem uma situação líquida negativa de 5,051 milhões de kwanzas.
Em idêntica situação, embora em proporções diferentes está a Sécil Marítima, com um passivo de 4,447 milhões de kwanzas e activos no valor de 3,725 milhões de kwanzas, situação líquida negativa de 722 milhões. A Lei de Bases do Sector Empresarial Público, estabelece no artigo 24º os prazos de prestação de contas.
Devido à pandemia que surgiu na China em finais do ano passado e chegou a Angola em Março, com todos os inconvenientes na vida das pessoas e das empresas, o IGAPE estendeu o período de entrega dos documentos, de Abril para Junho. Mesmo assim não faltou quem falhasse. Félix Novais lamenta o facto de a lei não prever punição para os incumpridores.
“Estado pode penalizar gestores com destituição”
Os conselhos de administração das empresas públicas têm a obrigação de prestar contas trimestralmente ao accionista Estado e, no final do ano, apresentar o relatório de gestão e as contas anuais, lembra a jurista Sofia Vale. Os instrumentos de prestação de contas, de acordo ainda com a também professora de Direito, devem ser objecto de parecer dos conselhos fiscais da empresa, acompanhados do relatório de auditoria externa.
“Se os conselhos de administração não apresentarem estes elementos ao accionista Estado, eles não estão a cumprir com a sua obrigação de prestação de contas”, salienta. Nos casos em que as empresas se furtam a essa obrigação, sublinha, o accionista Estado tende a avaliar pela negativa o desempenho dos gestores públicos que integram o conselho de administração.
“Essa avaliação negativa pode consubstanciar-se na diminuição dos bónus pagos aos gestores públicos e, em última instância, na destituição dos gestores públicos com base em justa causa (porque não cumpriram as obrigações que a lei lhes impõe)”, observa. Convidada a sugerir medidas para melhorar a boa governação em matéria de apresentação de contas, Sofia Vale aponta a nomeação para os conselhos de administração de administradores não executivos com capacidade de supervisionar a actuação dos administradores executivos.
Sugere, ainda, a indicação para os conselhos fiscais de pessoal “actuante”, que faça um acompanhamento contínuo da actividade dos administradores executivos, pedindo informação sobre os negócios celebrados e que vão informando o Estado ao longo do ano sobre alguma situação de falta de prestação de informação por parte do conselho de administração.
Em relação à auditoria externa, Sofia Vale defende que seja o accionista Estado a indicar o auditor que deve ser contratado e a determinar qual a remuneração. Ainda em relação ao auditor externo, a jurista Sofia Vale é de opinião que o Estado se assegure que o auditor não fica mais de três anos em funções, sendo contratado depois uma outra empresa de auditoria externa.
Peso dos Transportes no PIB
O ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu, admitiu, recentemente que a contribuição do sector na estrutura do Produto Interno Bruto (PIB), estimada actualmente em três por cento, ainda tem muita margem de progressão. Na visão do ministro, que falava no espaço “Grande Entrevista” da Televisão Pública de Angola (TPA), trata-se de uma contribuição muito baixa, tendo em conta que noutras economias este sector contribui com mais de 15 por cento da riqueza produzida.
Para aumentar a contribuição do sector na composição do PIB, revelou, o Ministério dos Transportes está a procurar melhorar os modelos de governação das empresas e também aumentar a participação de investidores privados. Em relação à TCUL o mi-nistro disse que a empresa encontra-se num processo de transformação para que deixe de dar prejuízos e passe a ser rentável.
Na entrevista, o ministro Ricardo de Abreu abordou também o processo de reestruturação da TAAG, que em 2018 teve prejuízos avaliados à volta de 100 mil milhões de kwanzas. Entre as empresas do sector com resultado positivo em 2018 estão o Porto de Luanda, Porto do Lobito, Porto do Namibe, Porto do Soyo e a Unicargas.