Registo de nascimento junta crianças e idosos na mesma fila

A inocência de Conceição Sapy, de seis meses, e as rugas que cobrem o rosto de Paulina Chitoma, 66 anos, são tão antagónicos que poucos motivos de convergência existem entre pessoas de gerações distintas que, recentemente disputavam a mesma fila para obter a cidadania nacional.

Assim como a pequena Sapy e a idosa Chitoma, na província da Huíla, muitas pessoas encontram-se na mesma condição. Foi o que o Jornal de Angola apurou junto ao posto de identificação civil recentemente inaugurado na comuna da Quilemba, município do Lubango, província da Huíla. Perfiladas e despreocupadas com o sol que se fazia sentir, crianças, jovens e idosos disputavam a mesma fila no atendimento.

Com a filha Conceição Sapy ao colo, Laura Canivete, que trazia consigo a cédula da pequena, destacava-se na multidão pela boa disposição e responsabilidade, enquanto Paulina Chiotoma, com o cartão eleitor nas mãos, esforçava-se para se manter em pé, depois de longas horas de espera.

“Nasci aqui, está aqui o cartão de eleitor”, exibia visivelmente desesperada o documento que lhe habilita ao voto.

Nascida em 1954, na zona de Ondjiwe, Paulina Chitoma conta que, além do cartão de eleitor, nunca teve nenhum outro documento de identificação. Situação quase idêntica acontece com os seus cinco filhos.

“Nenhum deles possui cédula pessoal ou Bilhete de Identidade. Necessito fazer o registo, porque não quero morrer sem documento que comprova a minha cidadania angolana”, afirmou em voz alta.

O mesmo sentimento e postura manifestou Florinda Lovango, de 53 anos de idade. Embora contrariada por colegas de ocasião, com o cartão de eleitor em mãos, mantinha firme a expectativa de fazer o registo civil pela primeira vez.

Inaugurada pela vice-governadora da Huíla para o Sector Politico, Económico e Social, Maria João Chipalavela, no âmbito da Campanha de Massificação do Registo Civil e Atribuição do Bilhete de Identidade, segundo apurou o Jornal de Angola, a capacidade de atendimento no posto na sede comunal da Quilemba ronda as 60 pessoas por dia.

Documentos tratados na Bibala

A maioria dos habitantes da comuna da Quilemba, que possui registo de nascimento, é natural do município da Bibala, província do Namibe.

Com uma população estimada em cerca de 39.034 habitantes, Quilemba possui 70 aldeias e cinco sectores, distribuídos numa extensão de 465 quilómetros quadrados.

Laura Canivete, que está nesta condição, tenciona agora obter o Bilhete de Identidade na Quilemba, província da?Huíla, mas lamenta estar a enfrentar dificuldades para concretizar este desejo por ter sido registada no Namibe.

“Quero bilhete para mim, mas disseram que tenho que ir tratar no Namibe. Eu nasci aqui, quero registar também a minha criança”, diz Laura Canivete, ao mesmo tempo que pôs-se a jeito para amamentar a filha. O administrador comunal da Quilemba, Calisto Saudades, explicou que grande parte da população da região optou pelo registo no município da Bibala por ser uma localidade vizinha.

Em declarações ao Jornal de Angola, Calisto Saudades assegurou que para os cidadãos que apenas possuem a cédula e encontram dificuldades para obter o Bilhete de Identidade, vai interagir com as autoridades do Namibe para que lhes seja emitido o documento de identificação nesta fase da campanha.

Mais de milhão e meio de beneficiários

Consciente do número de pessoas desprovidas de documentação, durante o período de vigência da Campanha de Massificação de Registo Civil e Atribuição de Bilhete de Identidade, as autoridades esperam beneficiar mais de um milhão e meio de pessoas.

O delegado provincial da Justiça e dos Direitos Humanos, Lisender André, explicou que a previsão de pessoas que aguardam pelo registo de nascimento resulta da estatística produzida pelo Censo Geral da População e Habitação, realizado há seis anos.

O número, segundo diz, constitui a meta que as autoridades na Huíla pretendem atingir no período que vai de 2020 a 2022. Recordou que, em 2014, apenas 53 por cento da população estava registada e, por outro lado, lamentou que apenas 25 por cento de crianças dos zero aos 4 anos de idade possuem registo de nascimento.

Lisender André frisou que a assimetria entre o meio urbano e rural é gigantesca, pois apenas 30 por cento da população residente no meio rural possui registo de nascimento.

Dados do Instituto Nacional de Estatística, em colaboração com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, revelam que um número considerável de crianças dos zero aos 5 anos não possuem registo de nascimento, 49 por cento dos 5 aos 11 anos, assim como 31 por cento dos 12 aos 17 anos”, disse.

Lisender André referiu que a campanha vai se estender a todos os municípios e sectores, para que no final do período definido a Huíla possa ser considerada uma província em que todas as pessoas têm registo de nascimento.

Processo abrangente

Com oito brigadas entre fixas e móveis, a decorrer em simultâneo nos municípios do Lubango, Humpata e Chibia, com pos­sibilidade de expansão para os restantes 11 municípios que compõe a província da Huíla, a Campanha de Massificação de Registo Civil e Atribuição de Bilhete de Identidade objectiva, igualmente, retirar a população da informalidade. Entre as vantangens, consta o desenvolvimento pessoal e profissional dos cidadãos numa lógica de estratégia de fomento da economia formal.

O delegado provincial da Justiça e dos Direitos Humanos considerou o registo de nascimento um acto administrativo de elevado valor cívíco. Mediante o mesmo, referiun Lisender André, o angolano prova a sua identidade e dá passos para a concretização do exercício pleno de cidadania.

“É um direito básico de todos os cidadãos, todavia, para muitos ainda não foi alcançado o que traduz uma limitação tremenda. Daí a razão do Executivo promover esta campanha para que todos possam ter acesso a um documento de identificação”, disse Lisender André sublinhando que a campanha visa ainda facilitar a inserção social dos cidadãos e garantir direitos e deveres.

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