O novo Ano Parlamentar, que se inicia a 15 de Outubro próximo, promete ser de grandes desafios para os deputados angolanos, agora confrontados com a necessidade de reapreciar, à última hora, o Código Penal, depois do “veto” histórico do Presidente da República.
A questão do Código Penal volta a entrar para a pauta depois da solicitação de João Lourenço para a reapreciação do texto final enviado pelo Parlamento, para efeitos de promulgação, por, no seu entender, estar “desfasado” com o novo paradigma do país.
O Chefe de Estado solicitou que a Assembleia Nacional reaprecie artigos específicos do novo Código Penal relacionados, fundamentalmente, com os crimes cometidos no exercício de funções públicas.
João Lourenço fez chegar ao presidente da Assembleia Nacional uma carta a partilhar “reflexões e preocupações” sobre o diploma, acabando mesmo por solicitar a reapreciação de algumas das suas disposições antes de promulga-lo.
As questões levantadas pelo Presidente da República prendem-se, essencialmente, com o resgate dos valores da probidade pública no exercício das funções e do compromisso nacional com a prevenção e combate à corrupção a todos os níveis.
Trata-se, portanto, de um direito que a Constituição confere ao Presidente da República, de “vetar” diplomas que contenham normas com que politicamente não concorda.
A cláusula da Lei magna (artigo 124º) reza que o Presidente da República promulga as leis do Parlamento nos 30 dias posteriores à sua recepção, mas, no decurso deste prazo, pode solicitar, de forma fundamentada, ao órgão legislativo, uma nova apreciação do diploma ou de algumas das suas normas.
Se depois desta reapreciação a maioria de 2/3 dos deputados se pronunciar no sentido da aprovação do diploma, cabe ao Presidente da República promulga-lo, no prazo de 15 dias, a contar da sua recepção, no cumprimento escrupuloso da Lei.
Pela importância do novo Código Penal, esperam-se, outra vez, debates acalorados entre os legisladores e os membros da Comissão da Reforma do Direito e da Justiça de Angola, nas comissões de trabalho especializadas, para conformar o texto à visão de João Lourenço.
Com 473 artigos, o diploma foi aprovado no hemiciclo em Janeiro de 2019, com 155 votos a favor, sete abstenções e um voto contra do deputado da CASA-CE.
A aprovação desse instrumento jurídico tinha sido adiada na Legislatura passada, devido à falta de consenso na questão sobre o aborto.
Processo autárquico divide políticos
Entretanto, outro “prato quente” será, certamente, a Proposta de Lei de Institucionalização das Autarquias (a mais polémica de todo o pacote legislativo autárquico na questão do gradualismo), que ficou fora da pauta do Ano Parlamentar 2019-2020.
A oposição lamenta o facto, considerando “uma manobra dilatória do MPLA”, partido no poder para “atrasar” as primeiras Eleições Legislativas da história de Angola.
Na percepção da oposição, o Ano Parlamentar 2019-2020 “não terminou bem”, por não se ter concluído o pacote legislativo autárquico e, por conta disso, as eleições autárquicas correrem o risco de não serem implementadas no decurso deste ano.
Em termos concretos e de conteúdos, o partido no poder e parte da sociedade civil apegam-se no gradualismo geográfico, atendendo a situação económica do país, enquanto a oposição defende a realização do processo autárquico ao mesmo tempo, em todo o país.
O MPLA socorre-se do velho ditado popular “devagar vai-se ao longe”, assegurando que a passagem para as autarquias se faça com eficiência administrativa.
Para essa formação política, o diploma “fracturante” deve seguir o mesmo caminho dos outros já aprovados por consenso, refutando as acusações da oposição de que estaria a inviabilizar a realização das eleições autárquicas no país.
O MPLA reconhece, a propósito, que para aprovação dessa Proposta de Lei, fundamental para institucionalização das autarquias, será preciso muita concertação, diálogo e até cedências.
Pela pertinência e urgência, a conclusão do pacote autárquico é, sem dúvida, um dos principais temas da agenda dos grupos parlamentares para o novo Ano Legislativo.
A data indicativa para a implantação das autarquias no país é 2020. Mas, até agora, ainda não foi tomada uma decisão definitiva (oficial) em torno deste processo.
Com a Situação de Calamidade Pública que o país vive, tendo em conta a evolução da pandemia da Covid-19, levanta-se mesmo um possível adiamento.
De resto, o Grupo Parlamentar do MPLA já deixou claro, após a sessão solene de encerramento do Ano Parlamentar, na última sexta-feira, que para este ano entende não haver condições para o efeito.
Na base dessa posição está, segundo o MPLA, o facto de o país atravessar uma situação epidemiológica difícil, com o aumento de casos de Covid-19 em quase todo território, além do facto de estar atrasada a conclusão da aprovação do pacote autárquico.
Por sua vez, a oposição defende que nada pode adiar a institucionalização do poder local, por fazer parte da agenda nacional.
Há, entretanto, outra corrente da sociedade civil que defende a realização das eleições autárquicas em 2022, em simultâneo com as eleições gerais, em vez deste ano.
As eleições autárquicas constituem um dos temas centrais assumidos pelo Governo saído das eleições de 2017, que se propõe a passá-las do texto constitucional para a realidade, a fim de servir melhor os interesses das comunidades e dos cidadãos.
A Constituição (2010) consagra o poder local como autónomo do Estado, não soberano e não integrado na administração pública do Estado, a quem confere, com base no princípio da autonomia local, atribuições às diferentes áreas de governação local.
Conquanto, prevê-se, por outro lado, que o reforço da fiscalização parlamentar das contas públicas venha a estar em evidência neste quarto Ano Legislativo.
Ao longo da quarta sessão Legislativa da IV Legislatura da Assembleia Nacional é expectável que a questão dos debates mensais volte a ser posta sobre a mesa.
O OGE para o exercício económico de 2021 deverá, também, capitalizar as atenções dos legisladores no penúltimo ano do presente mandato, que expira em 2022.
Todo esse trabalho parlamentar deverá ser antecedido do discurso do Discurso Sobre o Estado da Nação, com que o Presidente da República vai apresentar, em linhas gerais, a realidade do país e a estratégia do Governo para a resolução dos problemas do país.
Produção Legislativa
No ano Legislativo que acabou de terminar, os deputados aprovaram, entre outros instrumentos, a Lei de Revisão do Orçamento Geral de Estado (OGE) para o exercício económico de 2020, que acautelou verbas para as eleições autárquicas. Ainda assim, em contra ponto, a oposição votou contra.
O Ano Parlamentar 2019-2020 terminou com a aprovação de 99 Diplomas, sendo 44 Leis e 55 Resoluções. Entre os diplomas aprovados, destaca-se a Lei da Sustentabilidade das Finanças Públicas e a Lei que aprova o Imposto Predial.
Destaca-se ainda a Lei que autoriza o Banco Nacional de Angola (BNA) a emitir e pôr em circulação uma nova família do Kwanza, a Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e as leis que suportam o pacote legislativo autárquico.
No domínio da Justiça, Defesa e Segurança, foram aprovadas as Leis que aprovam o Código Penal e o Código de Processo Penal, a Lei do Regime Especial de Justificação de Óbitos, e a Lei de Base sobre a Organização e Funcionamento da Polícia Nacional.
Houve, com efeito, um redobrar de esforços dos parlamentares para a discussão e votação das propostas que o Executivo enviou ao Parlamento.
Os debates em torno desses assuntos nem sempre foram pacíficos, principalmente nas questões tidas como “fracturantes”.
Os consensos, difíceis de conseguir, foram na sua maioria alcançados.
Para isso, foi determinante a concertação de posições.
A par disso, os legisladores realizaram visitas aos municípios, no quadro do exercício da fiscalização, tendo em conta as verbas atribuídas pelo Ministério das Finanças para projectos de impacto social.