Luanda – Quarenta e quatro anos depois da proclamação da Independência Nacional, Angola conta, finalmente, com um Código de Processo Penal de “inspiração” angolana.
(Por Óscar Silva, Jornalista da ANGOP)
Com este novo diploma, põe-se fim ao Código elaborado pelo regime português, em 1929, abrindo espaço para abordagens penais mais ajustadas à realidade sócio-cultural do país.
Aprovado pelo Parlamento, depois de 13 meses de debates, o Código de Processo Penal marca um importante passo no processo de reforma da justiça e do direito em Angola.
Trata-se, pois, de um instrumento jurídico cuja principal nuance é o respeito do princípio da dignidade humana e pela socialização dos cidadãos em conflito com a Lei.
Com 604 artigos, o Código de Processo Penal contempla, entre outras novidades, o surgimento do juiz de garantia, para melhor averiguar os processos após a instrução preparatória, aferindo se os mesmos devem ir a julgamento ou ser arquivados.
Outra “boa nova” é a instituição de cauções, que devem ser aplicadas conforme a gravidade dos crimes, em substituição da privação da liberdade, para evitar a sobrelotação das cadeias.
Estas medidas visam salvaguardar a questão da dignidade humana e reduzir, de forma acentuada, o número da população penal, que nos últimos anos tende a aumentar.
O novo diploma contempla, entre outras acções, a forma de tratamento dos crimes sexuais (incesto, estupro e aborto), que não está expressa no Código de Processo Penal vigente, tendo sido, por isso, fulcral a sua aprovação, por se tratar de práticas bastante recorrentes em Angola.
Basta um olhar atento aos registos de ocorrências nas unidades policiais, para perceber que os crimes de abuso sexual são comuns e tendem a aumentar, daí ser bastante pertinente especificar o modo de agir das autoridades da justiça no novo instrumento jurídico processual.
De igual modo, torna-se interessante o facto de o novo Código Processual Penal, de forma específica, orientar a forma de andamento do crime de incesto, tema considerado tabu em várias culturas do mundo, incluindo na sociedades angolana.
Caracterizado por relacionamentos entre pessoas com parentesco próximo (primos consanguíneos, tios e sobrinhos, irmãos, ou até pais e filhos), o incesto é proibido em quase todos os países ocidentais, mas, em Angola, não teve enquadramento legal, por várias décadas.
Hoje, o assunto já tem respaldo no novo Código Penal, aprovado, recentemente, pelo Parlamento.
Entretanto, há que considerar, a esse respeito, que o relacionamento entre primos consanguíneos é uma prática em algumas culturas do país, pelo que se torna expectável ver como os actores da justiça e do direito farão materializar essa norma penal, sem ferir eventuais “hábitos culturais”.
No essencial, conforme pronunciamentos de políticos angolanos, o Processo de Código Penal, aprovado nesta terça-feira (22), vem consolidar o sistema democrático do país.
Depois da sua entrada em vigor, o sistema judiciário angolano começará a ter um cunho mais nacional, afastando-se, em certa medida, da realidade e da “imitação” de pressupostos legais defendidos e aplicados pela antiga potência colonial portuguesa.
Este Código tem em conta os princípios culturais, respeitando normas aplicadas pelos ancestrais, como a admoestação dos arguidos perante a comunidade, entre outros.
Os direitos fundamentais dos cidadãos são salvaguardados no novo instrumento jurídico, que respeita o princípio constitucional da presunção de inocência.
Este diploma busca a definição clara das competências dos sujeitos e participantes processuais na investigação, instrução e julgamento dos processos criminais.
De igual modo, procura reforçar as garantias dos direitos dos arguidos, testemunhas, vítimas e demais intervenientes nos processos, buscando uma “justiça mais justa”.
Trata-se do culminar de um árduo trabalho de concertações profundas, de dez anos, tendo em vista a optimização da celeridade e eficiência processual em Angola.
Conquanto, depois de aprovado pelo Parlamento e enquanto se espera pela promulgação em Diário da República, deve, desde já, o sistema judicial angolano trabalhar de forma célere na sua adequação, colaborando com a Ordem dos Advogados e a Provedoria da Justiça.
É imperioso que se institua, o mais breve possível, os juízes de turno e de garantias, para que os processos de instrução preparatória cumpram com os prazos previstos por Lei.
Diante do novo contexto que se avizinha, o Ministério Público terá um prazo limite para a conclusão dos processos de instrução, antes de enviar aos juízes de garantia.
Caberá, ao juiz de garantia, a missão de avaliar a conformidade dos processos instaurados, ou seja, se contendem ou não com a Lei.
Importa destacar que, com o novo Código de Processo Penal, Angola e os seus cidadãos estão de parabéns, por terem dado mais um passo rumo à “independência judicial”.
É inegável que a sua aprovação representa um passo marcante na estratégia de cumprimento das convenções internacionais sobre direitos humanos, de que o país é signatário.
Agora, a parte formal da reforma do Código de Processo Penal está feita, cabendo aos intervenientes do direito e da justiça, desde polícias, magistrados do Ministério Público e judiciais, assim como advogados, fazerem o correcto uso e aplicação desses normativos processuais.
Depois de 10 anos de trabalho e 13 meses de debates, no Parlamento, nada mais se pode esperar, dos profissionais da justiça e do direito, que não seja a obediência à Lei.