Com 1.89m de altura, Mateus Lúcio Lopes Joaquim, ou simplesmente Lúcio, como é conhecido no futebol, foi dos melhores guarda-redes que Angola conheceu depois da independência, a par de outros, como Napoleão, Ângelo, Manecas, Carnaval e Capelô, para só citar estes.

Com passagem por vários clubes do país, foi no Petro de Luanda, onde se notabilizou, tendo ganho oito campeonatos nacionais, várias Taças de Angola e Supertaças. Representou os Palancas Negras por sete anos. Inspirava-se, como conta o próprio, no italiano Dino Zoof e no espanhol Zubizarreta. Jogou ao lado de Jesus, Avelino, Santo António, Quim Sebas, Saavedra, Bolingó, Luiz Bento, João Machado, Teófilo, Mona e outros.
A vida futebolística de Lúcio começou aos 13 anos, quando jogou futebol de salão no Grupo Desportivo e Recreativo da Jamba Mineira, Província da Huíla. “Em 1978, aos 16 anos, mudei para o futebol de 11 e como era bom à baliza acabei por ficar nos juniores do clube” conta. Em 1979, mudou-se com os pais para a capital do país e tentou a sorte no Bangú Futebol Clube.
Nesse clube ficou duas épocas. Em 1983, já com 21 anos, rumou para o Maxinde Futebol Clube. “ Na altura era treinador o falecido Severino Miranda Cardoso “Semica”. Encontrei, entre outros, Mendinho, Quinito, Quim Sebas, Rafael e Augusto. No entanto, senti que não fui muito bem recebido e acabei por sair, duas épocas depois.
Em busca de melhor poiso, em 1984/85 rumou ao Sporting de Luanda, que havia mudado a denominação para Leões de Luanda, treinado, na altura, por Gomes, já falecido. No clube leonino, que já estava na 1ª Divisão, também não foi bem sucedido.
Passagem relâmpago pelo 1º de Agosto
Apesar de não ter conseguido a titularidade nos Leões de Luanda, o antigo craque tinha sido observado por alguns dirigentes do 1º de Agosto, e foi convidado a representar o clube militar. O comandante França N’dalu, garantiu-lhe a resolução do seu problema militar, visto que ainda tinha idade para ingressar nas FAPLA.
“Assim, fui apresentar-me ao 1º de Agosto. Mas posto lá, diante de um Napoleão Brandão, Ângelo Silva e Capelô, vi que não tinha hipótese alguma, nem sonhando. Os dois primeiros, que eram os melhores do país, revezavam-se. Por isso, pedi ao comandante N’dalu, que permitisse a minha saída, por mais uma época, nos Leões e quando fosse necessário voltaria, visto que já estava comprometido com o clube militar, por causa da regularização da questão militar. Ele concordou e assim aconteceu.”
Mateus Lúcio regressou aos Leões de Luanda, numa altura em que estes eram comandados por Mário Imbelloni e tinham como adjunto o Arnaldo Gabonal. “Os dois olharam para a minha estatura e disseram: “este homem vai dar um excelente guarda-redes”. De facto, aproveitei bem a oportunidade, fiz uma temporada excepcional e mesmo sofrendo muitos golos cai nas graças dos dirigentes do Petro de Luanda” recorda-se.
Mudança para o Petro de Luanda
Em 1986, Mateus Lúcio ruma ao Petro de Luanda. “Quando cheguei ao Catetão, encontrei Jesus, Abel, Chico Afonso, Santo António, Avelino, Rasgado e outros. Depois vieram o Saavedra, Luís Bento, Avelino Lopes e muitos outros. Quase que ia arranjar uma maka com o “chefe N’dalu”,(naquele tempo a patente máxima no Exército em Angola era de coronel), porque no fundo eu pertencia ao 1º de Agosto.
Mas o kota deixou passar a “falta” em branco.” O treinador brasileiro Abraão, por algum motivo, teve de regressar ao Brasil e foi substituído pelo falecido Carlos Silva. “Com a entrada deste, passei a ser visto por alguns como alguém sem valor e que estava aí para aprender. Mas não me fiz rogado e continuei a trabalhar humildemente. Pouco tempo depois, agarrei a titularidade com dentes e unhas”.
A sua primeira grande conquista, além do Girabola’86, foi o célebre torneio da Sonangol disputado no mítico estádio da Cidadela, com a presença, além do Petro, do Benfica, de Portugal, Futebol Clube do Porto e Vasco da Gama, do Brasil. “O mais importante é que havia um acordo para que todas as equipas viessem no máximo da sua força e assim aconteceu. O Vasco da Gama veio com o Roberto Dinamite, Mauricinho, Tony Crisciuma e outros.
O Benfica veio com Silvino, Álvaro Magalhães, Sheú, Chalana, Victor Paneira e companhia. O Porto com o Mlenarzik, Gomes, Aloísio, Casa Grande, Ary, Paulo Futre e Rui Costa”. No primeiro jogo contra o Vasco da Gama, o Petro venceu(2-1), bateu depois o FC Porto(1-0) e empatou com o Benfica, tendo o jogo ido aos penaltis.
“A sorte sorriu-nos, porque defendi dois penaltes e vencemos o torneio. Naquele torneio eu fui a grande referência, e o desempenho serviu para catapultar Abel Campos para o Benfica. Pois ele deu muito trabalho aos defesas, especialmente aos do FC Porto.” Posteriormente, Lúcio ganhou o Girabola’88.
Em 1989, teve um desentendimento com um dos dirigentes do clube, que lhe custou uma suspensão injusta de dois anos.
“Fiquei dois anos afastado do clube, porque o tal dirigente apenas me quis prejudicar. Quando terminou o inquérito, fui inocentado e voltei. No entanto, aproveitei bem este período para aumentar os níveis de escolaridade”, desabafou.
Primeira chamada à selecção nacional
Em 1987, Lúcio foi convocado pela primeira vez para representar a Selecção Nacional. Na tal convocatória, maioritariamente composta por jogadores do Petro e do 1º de Agosto, constavam também, como guarda-redes, Napoleão e Capelô. Conta que num jogo contra a Costa do Marfim, em Abidjan, ele em grande forma, e com Angola a vencer por 1-0, a meio da primeira parte, os marfinenses tudo faziam para empatar e virar o resultado.
“Mas eu fazia tudo para os impedir. Como estava chover usava uma tolha para limpar as mãos e colocava-a dentro da baliza. Este gesto foi interpretado pelos marfinenses como sendo o feitiço que impedia os golos”. A Costa do Marfim forçou o árbitro a parar o jogo por cerca de 30 minutos, e tiraram a toalha à força da baliza. “O público vaiava-me de todas as maneiras.
Mesmo assim, o golo não surgia. Então o Abdulay Traóré, num pontapé de canto saltou com o joelho em riste e bateu com violência nas minhas costas. Cai e perdi os sentidos. Quando recuperei, já no hospital, fui informado que havia fracturado quatro costelas uma delas quase me furava o pulmão. Quando voltei, já na maca, perdíamos por 3-1”.
Naquele tempo, em África, os árbitros prejudicavam seriamente as equipas angolanas. “Num outro jogo, também na Costa do Marfim, mas representando o Petro de Luanda, dominávamos contra o África Sport de Abidjan, num lance, o Abel, no seu jeito, tirou vários adversários do caminho, cruzou para o Dongala que fez o golo limpíssimo, mas o arbitro simplesmente anulou-o, deixando os próprios marfinenses admirados.
Marcámos outro golo por Saavedra, que também foi anulado. Passámos várias vezes por situações do género.” Um terreno muito difícil para as equipas angolanas jogar era o Zaire (RDC). Segundo Lúcio, por questões políticas, alguns eram hostis aos angolanos.
Em certa ocasião, num jogo contra TP Mazembé, em Lumbunbashi, se a memoria não me atraiçoa, o Jesus foi agredido quando estávamos prestes a entrar em campo, arrancaram-lhe o fio de ouro que usava, e foi esbofeteado. Mesmo assim, jogámos e fizemos um bom resultado.”
“Hoje temos um Girabola sem suspense”
Segundo Mateus Lúcio, as equipas do Girabola no seu tempo eram bastante equilibradas. “Apesar de ter estado muitos anos sem ganhar nenhum título, o 1º de Agosto sempre foi um adversário difícil. Além deste, tínhamos a TAAG, Inter de Luanda, Mambrôa, 1º de Maio de Benguela, Progresso, Petro do Huambo, Desportivo da Chela(Benfica do Lubango) e Académica do Lobito”.
Jogadores como Luntandila, Mendinho, Maria, Picas, Basilio, Chiby, Maluca, Sarmento, Santinho, Mavó e outros eram adversários temíveis para qualquer equipa e por isso só nas últimas jornadas é que se via quem era o vencedor, recorda. “Não havia vencedores antecipados como acontece hoje, em que depois de seis jornadas já se pode ver quem será o campeão nacional.”
Diz também que fisicamente os jogadores do seu tempo eram bem dotados e impunham respeito. “Um Eduardo Machado, Quim Sebas, Basílio, Vieira Dias, Lourenço, Jesus, Santo António, Fusso, Saavedra e até os mais baixinhos como o Maria ou Vicy eram todos bem constituídos fisicamente. Hoje, os jogadores são todos franzinos e isto contribui para a fraca qualidade do nosso futebol.
E noto, também, que os jogadores de hoje não levam o futebol tão a sério como nós levávamos. Por isso, é que o 1º de Agosto e o Petro, por exemplo hoje são candidatos só de nome”, firmou. Considera que os jogos do seu Petro contra o 1º de Agosto, com Ndunguidi, Loth, Muanza, Ivo e outros e contra a TAAG (Asa) com Luntandila, Chinguito, Rola e companhia eram os mais difíceis.
“No entanto, os jogadores que eu mais temia eram Ndunguidi e Manuel Loth, porque ambos eram excelentes marcadores de livres e chutavam forte. O Ndunguidi, com aqueles rasgos pelas alas e cruzamentos mortíferos, deixava qualquer guarda-redes e defesas atónitos”.
Diz que um dos motivos da grande rivalidade entre 1º de Agosto e Petro de Luanda foram as duas derrotas sofridas pelos militares por 6-0 e 6-2 respectivamente. “Portanto, em dois jogos Petro 12-1º de Agosto 2. Tenho quase certeza que eles nunca vão conseguir a desforra”.
Lúcio é de opinião que os problemas administrativos têm sido até hoje o grande empecilho do futebol nacional. “Há muita mentira na gestão do nosso futebol e isto não é de hoje. Não há verdade na gestão do nosso futebol ao mais alto nível. Enquanto continuarmos a confundir gestão de empresas com gestão de futebol, nunca iremos a lugar nenhum. Deixem que os que conhecem e entendem de futebol sejam eles a geri-lo.
Toda gente vê como o Gana, Costa do Marfim, Camarões, até o Burkina Faso gerem o seu futebol. É com continuidades. Somos suficientemente inteligentes para perceber isto. As coisas só não são feitas por malandrice. Sai um treinador e com ele os jogadores. Entra outro com os seus jogadores e ninguém faz absolutamente nada”.