Estima-se em 180 os trabalhadores do extinto Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC), com uma dívida de oito mil milhões de kwanzas (pouco mais de 12 milhões de dólares) por liquidar junto da instituição em processo de falência, resultante dos vários créditos à habitação e ao consumo nos últimos cinco anos.
A casa mais barata de que beneficiaram os trabalhadores na contratação do crédito à habitação está avaliada ao equivalente a 250 mil dólares, de acordo com o advogado e membro da Massa Falida, Frederico Batalha.
Com uma carteira controlada de não menos de 10 mil devedores, a gestão do processo de falência admite um compromisso financeiro por saldar com 208 trabalhadores num valor mais ou menos de 300 milhões de kwanzas, salvo melhor cálculo do Tribunal, que gere o processo, tendo em conta a Lei Geral do Trabalho em vigor.
Quanto à dívida com o Estado, a Massa Falida diz não ter chegado ainda ao valor definitivo. Sabe apenas que, dentre os credores específicos em nome do Estado, constam BNA, AGT, INSS e outros entes públicos, fruto de serviços ou actividades prestadas ao BANC.
Frederico Batalha afirma, por exemplo, terem em posse uma notificação recente da AGT a cobrar uma dívida de três mil milhões de kwanzas de impostos diversos. No caso do BNA, que segundo pesquisas do Jornal de Angola se estimou dar empréstimos de mais de 20 mil milhões de kwanzas na tentativa de recuperação do banco no período de intervenção ocorrido em 2019, há também todo o interesse em ver-se ressarcido.
Liquidação dos créditos
Protegidos pela Lei, como justificam, os administradores do processo de falência exigem que os trabalhadores, sem salários há mais de 18 meses, paguem os créditos em atraso sob pena de perderem as habitações de que beneficiaram na Urbanização Boa Vida, resultado de um crédito de 30 anos, contratado em 2015.
As habitações no Condomínio Boa Vida, confirma a Massa Falida, pertencem aos trabalhadores que, por sua vez, são devedores do banco, pelo crédito à habitação obtido, tendo como garantia o Boa Vida. Como tal, devem pagar o crédito, sob pena de verem lançados contra si meios judiciais para que paguem a dívida. Caso não o façam, verão penhorados os bens dados em garantia.
De acordo com o advogado e membro da administração da Massa Falida, Frederico Batalha, estão cientes de que alguns trabalhadores venderam já as casas, sem lhes dar qualquer conhecimento.
Todavia, dentro dos poderes que têm, poderão requerer a nulidade de tais contratos, porque são parte interessada, já que, em caso de graduação de créditos, o novo adquirente poderá ficar sem o imóvel, uma vez que a garantia do banco é anterior aos contratos de compra e venda.
Frederico Batalha disse que, de momento, não têm dinheiro para fazer face às dívidas em cobrança, mas que os antigos trabalhadores são também devedores e em quantia, de longe, superior se comparada a do banco para com aqueles.
Na sua versão às reclamações apresentadas pelos ex-colaboradores, publicadas em Agosto nas páginas do Jornal de Angola, os ex-colaboradores “têm de primeiramente liquidar a dívida que têm para com o BANC e só posteriormente terão acesso ao que se lhes está contemplado a título de compensação. Os trabalhadores ficaram sem pagar as suas dívidas desde o encerramento do banco, pelo que, a parcela do crédito, do encerramento a esta data, está vencida e, como é de lei, devem solicitamente ser cobrados, nos termos do artigo 1213º do Código do Processo Civil (CPC)”.
Saldo negativo
A Massa Falida diz que sobre a venda de alguns bens por parte da gestão da falência, a mesma decorreu de obrigações funcionais, uma vez que “nem dinheiro para papel higiénico havia no início de funções”. Todavia, o advogado explica que tais vendas não representaram nem um por cento dos 52 mil milhões de kwanzas em que se avaliou o passivo do Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC).
O advoga e porta voz diz que as vendas foram feitas por negociação particular, uma das modalidades também com respaldo legal. Segundo ele, o processo em sí prevê a venda antecipada de património e ocorreu após autorização do Tribunal.
“A nossa actividade, en-quanto administração da massa falida, tem consistido em tentar recuperar o máximo possível para se pagarem os credores, dentre os quais está o Estado angolano e os trabalhadores. Tratando-se de processo especial, há uma solução prevista no artigo 1220º do CPC, que se refere à forma de como o problema dos trabalhadores deve ser resolvido. Deste comando legal resulta que os trabalhadores devem primeiramente pagar o crédito e só posteriormente receber o que lhes é devido”, reiterou.
Sobre a falta de comunicação entre as partes, disse que a Administração da Massa Falida tem contactado os devedores, de modo pessoal ou por via de seus mandatários, inclusive os ex-administradores e trabalhadores e, no essencial, a comunicação tem sido mantida no estrito limite do necessário e no interesse de cada uma das partes.
Conforme assegura o causídico, a venda dos bens do banco será feita por meio da Bolsa de Valores e outros em hasta pública, pelo que refuta ter já havido qualquer leilão ou coisa de género.
Viaturas por devolver
Outro assunto de discórdia entre as partes tem a ver com os carros atribuídos aos funcionários com cargos de direcção e chefia. Para a administração do processo de falência, as viaturas devem ser devolvidas imediatamente, para apoiarem os actuais membros da administração.
Segundo afirma, aos trabalhadores que as possuíam e as entregaram, voluntariamente, foi-lhes reconhecida a preferência convencional. Logo, os que estavam em condições de as adquirir, fizeram-no e, hoje, são os legítimos proprietários das mesmas.
Os trabalhadores, nesse quesito, apercebendo-se da intenção de abate das viaturas, defendem ter o direito de preferência sem quaisquer outras contrapartidas, pelo que se negam em entregá-las pela via da força. No fundo, são os preços de compra e amortização que dividem as partes interessadas. De acordo com Frederico Batalha, os trabalhadores têm de ter em atenção o valor comercial dos bens e não o valor contabilístico.
Apesar de o preço de aquisição ter sido um, actualmente, segundo alega, com a desvalorização que se verifica na moeda, os valores dos meios rolantes têm um outro preço e a administração quer recuperar o máximo possível dos activos, pois entende que as viaturas têm valor comercial.
Há ainda o caso, acrescenta, de alguns trabalhadores que danificaram as viaturas, tendo algumas ficado totalmente destruídas, o que consideram prejudicial à Massa Falida.
Sentença atrasada por diligências na justiça portuguesa
O crédito contratado pelos ex-colaboradores e outros ao Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) é de 30 anos de vigência. No caso dos trabalhadores, apenas estão vencidos cinco. A Massa Falida diz que tem pensado em vender o crédito a um outro banco ou outro órgão que aceite negociar, porque a gestão não terá a duração de 30 anos.
Foi nesse sentido também, e para os clientes com obrigações no banco já negociadas, que se indicou uma instituição congénere. Reitera ter sido um acto livre de escolha da administração concretizado dentro dos poderes de que está revestido e no melhor interesse da Massa Falida. “(…) e não vemos qualquer secretismo nisso. É bom situar que no estágio da liquidação, há indicação de que o amealhado seja domiciliado num banco público, de onde se procederá ao pagamento dos distintos credores”.
No que diz respeito ao destino a dar ao património, natural em processos de falência, é a venda em um acto público, para os casos em que a propriedade é, efectivamente, do banco, antecedida de um processo minucioso de avaliação imobiliária, com recurso a peritos na matéria.
Qualquer interessado, se-gundo Frederico Batalha, pode-se deslocar à antiga sede em Talatona, em Luanda, e saber do andamento do processo de falência. O mesmo aplica-se em relação ao processo judicial, pois qualquer interessado pode assistir às audiências de discussão e julgamento, que são públicas ou ainda acompanhar o desenrolar dos acontecimentos pela media, como o Jornal de Angola e outros, sobretudo, acerca dos actos praticados e dos procedimentos legais que têm sido utilizados.
“Gostaríamos de deixar patente que nós, administração da Massa Falida, não estamos em guerra, ou coisa que se pareça, com os antigos colaboradores. Pelo contrário, nos une o empenho que emprestamos ao processo de máxima recuperação de activos do banco, pois daí sairão meios para a satisfação dos direitos e interesses, nomeadamente, a remuneração”, conclui.
Retrocesso ao processo
O processo encontra-se em juízo. No entanto, por ter havido uma falha processual, o mesmo sofrerá um retrocesso, porque alguns dos antigos administradores encontram-se no exterior e, por tal facto, não foram ouvidos (o que configura uma nulidade processual), tendo o processo prosseguido com essa insuficiência.
Porém, a falta de audição ocorreu também por ausência de resposta das autoridades portuguesas às cartas rogatórias expedidas em devido tempo. Pelo que, dada a prioridade que os processos de falência têm, se não fosse a nulidade processual constatada, pelo próprio Tribunal, provavelmente já teríamos decisão neste processo.
Frederico Batalha disse ter sido possíve, com auxílio de oficiais da justiça, a localização, em Luanda, de um antigo gestor.