Terminou a paz celestial na Igreja Universal do Reino de Deus em Angola (IURD). Um grupo significativo de pastores angolanos, desde finais do ano passado, tem vindo a denunciar graves atropelos aos Direitos Humanos, para além de outros crimes que são cometidos em nome de Deus pela liderança daquela igreja, seja em Angola, seja a partir do Brasil.
Em Novembro do ano passado, o vice-procurador-geral da República, Mota Liz, em declarações à Angop, confirmou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) estaria a investigar, há já algum tempo, as denúncias de castração química e vasectomia de que são, eventualmente, submetidos alguns pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola. Pelo meio constam suspeitas de fuga e evasão de capitais.
A situação tem vindo a agudizar-se desde finais de Junho deste ano com as disputas a ganharem uma proporção mais alarmante. As clivagens aumentaram, surgiram cenas desagradáveis de pugilato entre pastores numa disputa pelo património (templos sobretudo) e pela liderança total desta igreja em Angola.
Uma dispensável e lamentável disputa que envolve a Televisão Pública de Angola (TPA) e a Record TV. Cada uma delas, claramente, em defesa de um dos lados. Como não poderia deixar de ser, o canal televisivo suportado pela Igreja Universal apoia os pastores brasileiros. Mais do que isso, tem vindo a diabolizar a imagem dos angolanos. Não apenas os pastores angolanos, mas, e de uma maneira geral, de Angola. Da parte da TPA, há uma defesa in-questionável dos pastores angolanos, que se esfor-
çam agora em abandonar o sotaque que, e inexplicavelmente, sempre os caracterizou.
Como se não bastasse uma rixa entre “irmãos” desavindos, a verdade é que foram os brasileiros que transportaram o tema para o lado dos Estados, introduzindo a abordagem diplomática, primeiro com uma intervenção do embaixador do Brasil em Angola e, posteriormente, de alguns senadores e congressistas brasileiros que saíram em defesa da IURD e dos seus pastores, entre eles elementos da própria família do Presidente Jair Bolsonaro, deixando claro o envolvimento ao mais alto nível e arrastando para isso o lado angolano, o que, entretanto, foi admitido pela ministra de Estado para a Área Social Carolina Cerqueira na Assembleia Nacional, esta semana. Ou seja, a questão deixou, faz tempo, o plano teológico e está agora no plano político.
Na dúvida, a aposta pela via diplomática foi ainda mais forte com o envio de uma carta por parte do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao seu homólogo angolano João Lourenço, de acordo com notícia divulgada pelo site da BBC Brasil, o que não teve confirmação oficial, nem de um lado nem de outro, mas a posição da ministra de Estado indica que há uma forte probabilidade de ter acontecido.
“Bispos e pastores da Universal também estão pedindo aos fiéis, nos templos do Brasil e de todo o mundo, para enviarem cartas e mensagens de protestos ao Presidente de Angola, João Lourenço, e ao embaixador do país no Brasil”, pode ler-se na notícia publicada no site.
Não nos restam dúvidas que a Igreja Universal em particular e as igrejas evangélicas ou neopentecostais de uma maneira geral têm uma forte influência na política brasileira, desde as ideologias aos programas de governação. Para observadores mais distantes, a maior revelação foi a sessão plenária que ditou o impeachment da Presidente Dilma Rousseff e todo o movimento em prol da eleição do actual Presidente. Esta influência religiosa sobre a política é igualmente sentida em países como a Bolívia, México e Estados Unidos da América.
De tudo o que vi e ouvi, o que me pareceu mais chocante e revoltante foi a maldição lançada pelo líder máximo daquela igreja, o senhor Edir Macedo, porque não consigo chamar pastor uma pessoa que lança maldições contra o seu próprio povo, neste tempo da nova aliança que Jesus Cristo trou-xe aos cristãos.
Mas se a Igreja Universal tem um forte lobby sobre a política brasileira, não é menos verdade que igual força encontramos em An-gola. Só isso justifica o facto que depois do infeliz incidente na Cidadela desportiva esta igreja não tenha sido erradicada de Angola. Por menos, a igreja Maná sentiu a força do nosso martelo.
O que, entretanto, não nos parece normal é a morosidade para obtermos a confirmação daquelas práticas e o silêncio das nossas instituições políticas e judiciais. Não é normal que o Estado esteja calado e de nada serve utilizarmos apenas a TPA. Instituições como a PGR devem impor-se e acabar de vez com essa situação: há ou não situações de castração? Há ou não evasão de capitais? E não é uma mera transferência de titularidade ou qualquer outro tipo de aproveitamento, como se denota da postura dos pastores angolanos que viveram anos sob silencioso manto pecaminoso e quiçá mesmo criminal.
No meu tribunal, a sentença estava dada: a igreja não pode perturbar a paz social. A igreja não pode violar direitos fundamentais. Já não estamos na Idade Média e Angola não é uma República das bananas. Na dúvida, teremos sempre a imagem do Senhor expulsando os vendilhões do Templo, acusando-os de transformar um local sagrado, “a casa do meu Pai”, no lugar de ladrões.