Eleição testa estratégia de Trump de semear divisões

Para o magnata, está sempre tudo bem. E quando não está, a culpa é de outro. Por quatro anos, ele declarou vários inimigos, como os imigrantes e a China. Agora, é a vez do próprio sistema eleitoral.

Quando Donald Trump fala, ele faz tudo parecer simples. Há o certo e o errado, eles e nós. Os apoiadores o chamam de “direto” e o aplaudem por falar como eles mesmo o fariam. Para eles, trata-se de um “homem do povo”, embora seja um magnata. Parte do apelo do republicano está justamente em não ser visto por seu eleitorado como um político.

O 45º presidente americano com frequência descarta as complexidades da vida. Foi assim, por exemplo, quando falou em debate na TV em outubro. Durante uma troca acalorada sobre a pandemia, o moderador perguntou a Trump se havia um meio-termo entre dizer aos cidadãos que “todos vão morrer” – como o próprio presidente havia formulado momentos antes – e manter todos no escuro para evitar o pânico. Trump disse então: “Não, não há um meio-termo.”

Fazer as pessoas escolherem lados, usando uma abordagem “dividir e conquistar”, é uma das marcas registradas de Trump, diz Mitchell S. McKinney, pesquisadora da Universidade do Missouri que estuda a retórica presidencial. “Ele instiga um grupo contra o outro, para incitar o medo.”

Vários “inimigos”

Tudo começou com os imigrantes. Durante a primeira campanha presidencial, Trump se referiu aos imigrantes mexicanos como “estupradores”.

Ele frequentemente faz declarações generalizando. Chamou, por exemplo, quem protestava contra a violência policial em Portland e Seattle de “anarquistas e agitadores doentes e desordeiros”. A imprensa tradicional, para ele, é “fake”.

Trump prefere manter as coisas simples, mesmo que isso signifique mentir. A julgar por seus discursos e entrevistas, geralmente está tudo bem. E se não está, não é sua culpa. Quando indagado durante o primeiro debate presidencial sobre sua resposta à pandemia, que já resultou em mais de 230 mil mortes relacionadas à covid-19 nos EUA, Trump foi rápido em apontar: “A culpa é da China, isso nunca deveria ter acontecido.”

Seu argumento recorrente, de que o país está se recuperando, ignorava as lutas que muitos americanos estão enfrentando: lidando com a morte de um ente querido, com sua própria saúde, a perda do emprego, negócios e até da moradia.

Propostas vagas

Mesmo a agenda para seu segundo mandato foi uma versão simplificada em comparação com o que os candidatos presidenciais costumam oferecer. Como parte de sua campanha de reeleição, Trump divulgou uma lista com 54 pontos.

Entre eles: “Construir o maior sistema de infraestrutura do mundo”, “voltar ao normal em 2021″, ” criar 1 milhão de novos pequenos negócios” e “eliminar os terroristas globais que ameaçam prejudicar os americanos”. Falta em sua agenda qualquer menção a uma estratégia, explicando, por exemplo, como seu governo alcançaria esses objetivos, como seria a “maior” infraestrutura ou o que significa “normal”.

“O que faz Donald Trump se destacar é sua relativa falta de ambição política”, diz Bruce Buchanan, analista político da Universidade do Texas em Austin. “Outros presidentes vieram preparados com programas que envolviam iniciativas internas, econômicas e de política externa, mas Trump não teve uma agenda além do corte de impostos.”

Em 2017, o presidente assinou o Trump’s Tax Cuts and Jobs Act (TCJA). Até agora, os especialistas concordam que a lei não aumentou o investimento empresarial ou os salários dos trabalhadores, como prometido.

Steven Rosentahl, do Tax Policy Center, que fornece uma análise independente das questões tributárias nos EUA, conclui que os cortes de impostos corporativos do TCJA resultaram em cortes de impostos apenas para “acionistas – que tendem a ser ricos, incluindo um bloco considerável de estrangeiros – e, eventualmente, aumentos de impostos ou cortes de gastos para os demais”.

Um item de sua agenda – “Continuar nomeando constitucionalistas para a Suprema Corte e juízes de tribunais inferiores” – sempre se destacará como um sucesso para ele e para o Partido Republicano.

Desde Richard Nixon, nenhum presidente nomeou mais juízes para a Suprema Corte durante um mandato. Após a morte de Ruth Bader Ginsburg, Trump conseguiu fazer o equilíbrio do tribunal pender para uma maioria conservadora. Ele escolheu Amy Coney Barrett, que é profundamente conservadora e veementemente contra o aborto, para ocupar o lugar de Ginsburg. Ela se une a Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh, também indicados por Trump.

O caos como cortina de fumaça

Quando a política se complica, Trump é conhecido por criar o caos. E deixar o caos reinar em vez de assumir a liderança como presidente também significa que alguns de seus apoiadores tomam as rédeas da situação.

Em agosto de 2017, supremacistas brancos foram às ruas de Charlottesville, Virgínia, para o comício “Unite the right”. O grupo tinha entre si partidários de Trump usando bonés vermelhos “Make America Great Again”.

Eles se chocaram com manifestantes antifascistas, e o evento se tornou violento. Heather Heyer, que participava de um contraprotesto, foi morta. Em vez de repudiar os supremacistas brancos, Trump condenou “a demonstração de ódio, fanatismo e violência de muitos lados”. 

Proteger seus apoiadores a todo custo tem sido um tema contínuo. Na campanha, Trump dirigiu-se diretamente a seus partidários em Portland, Oregon, durante o primeiro debate presidencial ao lado de Joe Biden. Os fãs de Trump e membros de grupos de extrema direita haviam ameaçado os ativistas de esquerda, e Trump lhes disse para “recuar e aguardar”.

Buchanan toma isso como um sinal de que o presidente estava “implicando que em algum momento ele poderia chamá-los para um serviço de qualquer tipo, alguma ação violenta”.

A maneira do presidente de abordar questões, considera Buchanan, permitiu que “vários grupos descontentes com a cultura política lessem nela o que desejam”.

Imprevisibilidade

Pesquisadora da retórica do presidente, McKinney descreve o estilo de Trump como de imprevisibilidade. “Pela manhã, ele dirá uma coisa e horas depois mudará de ideia”, comenta. Os aliados se tornam inimigos no decorrer de um dia. O fato de que ninguém sabe o que ele vai dizer ou fazer tornou-se algo como uma estratégia, diz a especialista.

O mais recente inimigo de Trump é o próprio sistema eleitoral americano. Atrás do democrata Joe Biden nas pesquisas, ele chegou à véspera da eleição ameaçando iniciar uma batalha legal sobre os resultados e levar o caso à Suprema Corte.

Neste ano, devido à pandemia, houve votação antecipada sem precedentes na história americana. Antes mesmo deste 3 de novembro, dia da eleição, quase 100 milhões de americanos já haviam depositado ou enviado por correio seu voto. E isso pode gerar atrasos na apuração.

Trump questiona o processo de apuração de votos antecipados e, sem evidências, aponta risco de fraude. Sua estratégia não é muito diferente da que, ao longo de quatro anos, implementou em vários outros temas: se não der certo, a culpa é de outra pessoa.

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