A China é o maior parceiro económico de África e tem vindo a reforçar a sua presença militar no continente na última década. “Princípio da não-interferência” defendido por Pequim pode ter os dias contados.
O envolvimento militar da China em África não é de agora. No passado, Pequim apoiou vários movimentos de libertação africanos – como em Angola ou Moçambique. Na altura, a República Popular da China era um jovem país, empobrecido e nas mãos de Mao Tsé-Tung.
Hoje, é a segunda maior economia do mundo e aparece como um ator emergente na cena militar e no setor da segurança no continente africano. A construção, em 2017, da primeira base militar fora do país – no Djibouti – veio reforçar esta posição.
“Há aí mais negócios chineses, mais interesses, e mais ameaças e ataques a esses interesses e pessoas. Há uma intenção de proteger os interesses e pessoal chinês no continente”, comenta David Shinn, especialista em assuntos China-África da Universidade George Washington.
Armas para governos e rebeldes
David Shinn passou 37 anos em África, ao serviço da diplomacia norte-americana. O especialista em relações sino-africanas sublinha que, hoje, a China é um dos maiores fornecedores de armas no continente. Pequim e Washington têm ocupado alternadamente a segunda posição. A Rússia mantém-se à frente.
O professor da Universidade George Washington alerta para os efeitos do crescimento chinês na venda de armas portáteis e armamento ligeiro. “O problema é que os governos africanos, às vezes, transferem as armas para grupos rebeldes com os quais simpatizam em países vizinhos”, explica o académico. “É assim que estas armas aparecem em zonas de conflito. A China não tem um sistema muito bom. Na realidade, não tem praticamente nenhum sistema para monitorizar o que acontece às armas depois de vendidas aos governos africanos”, critica.
A presença militar chinesa em África acontece, em parte, através da colaboração multilateral: a China dá apoio na formação e participa em exercícios militares conjuntos, bem como em ações contra a pirataria.
A seguir aos Estados Unidos, a China é o maior contribuinte para o orçamento das operações de manutenção de paz da ONU e está presente em cinco missões em África. Esta afirmação militar desafia o princípio chinês da não interferência, doutrina defendida por Pequim para as relações externas.
Cobus van Staden, do Instituto das Relações Internacionais da África do Sul, recua a 2011, à guerra civil da Líbia, quando a China retirou do país mais de 30 mil nacionais. “Esse foi mesmo um ponto de rutura na interpretação do princípio da não-interferência e, depois, claro, a construção da base no Djibouti foi outro, onde a intervenção ou o princípio da não-interferência foi desafiado, e depois reinterpretado. Penso que isso vai continuar a acontecer à medida que a China se vai envolvendo em assuntos internacionais mais complexos”, analisa Cobus van Staden.
Mais bases militares no futuro?
Os analistas admitem que é quase certa a abertura de novas bases militares chinesas em África, o que pode preocupar as nações que têm tradicionalmente garantido a segurança do continente, como os Estados Unidos, França e Reino Unido.
“Eles tendem a acusar a China de tentar exportar o sistema comunista para África e acho que não há provas disso. Mas ao mesmo tempo, penso que as preocupações com as empresas chinesas que exportam material de vigilância, ou ajudam os governos africanos a vigiar o povo africano, são realistas. Mas as empresas ocidentais, tanto americanas como europeias, fazem exatamente o mesmo”, considera Cobus van Staden.
Em África, a presença militar chinesa não é, para já, contestada pela população, defende o especialista do Instituto das Relações Internacionais da África do Sul. Ainda assim, a expansão das tropas no terreno pode trazer resistência. Para muitos países africanos, a China é já o maior parceiro comercial, o maior investidor e também credor.