Bancos angolanos podem registar primeiros prejuízos da história

Ao longo dos últimos anos as instituições de crédito angolanas rechearam os seus balanços de dívida pública. Com a baixa do rating soberano vão ter de pôr muito dinheiro de lado para acautelar eventuais perdas caso o Tesouro entre em incumprimento. O reforço das chamadas imparidades pode atirar o sistema bancário nacional para o vermelho, pela primeira vez desde que há registos.

Os bancos angolanos podem vir a apresentar prejuízos no exercício de 2020 na sequência da baixa do rating de Angola da Moody’s de “B” para Caa-C” que os vai obrigar a reforçar significativamente as imparidades sobre a dívida pública que detêm em carteira.

A confirmar-se, será a primeira vez que isso acontece desde 2007, ano a partir do qual a Associação Angolana de Bancos disponibiliza contas do sector bancário angolano.

Se refizéssemos as contas de 2019 com base no novo rating da Moody’s, em vez dos lucros antes de impostos de 199,7 mil milhões que apresentaram neste nesse exercício, os 25 bancos que fazem parte do “Banca em análise” da Deloitte – falta o banco Económico por ainda não ter apresentado as contas – teriam registado prejuízos de 27,7 mil milhões Kz também antes de impostos, de acordo com cálculos de um gestor bancário para o Mercado. As contas são algo complexas.

De acordo com a directiva 13/19 do BNA, as perdas por imparidade para a dívida pública nacional em moeda nacional e estrangeira mensurada ao custo amortizado, devem ser calculadas com base na probabilidade de incumprimento a 12 meses para a notação de rating de Angola publicada no estudo da Moody’s aplicável ao exercício em questão.

Segundo o estudo aplicável ao exercício de 2019, publicado a 8 de Abril desse ano, a probabilidade dos países com rating B, como era o caso de Angola, entrarem em default era de 2,619%. Os investidores que investiram em títulos da dívida pública de países que entraram em incumprimento perderam em média 59% do seu investimento.

Cruzando as duas percentagens isto é a probabilidade de entrada em incumprimento com a média das perdas, concluímos que as imparidades a registar pelos bancos deviam ser equivalentes a 1,53% dos investimentos brutos em dívida pública a custo amortizado.

Ainda de acordo com o “Banca em análise”, no final de 2019, os investimentos líquidos a custo amortizado da banca angolana ascendiam a 4,163 biliões Kz. Admitindo que os bancos calcularam as imparidades à taxa de 1,53%, concluímos que os investimentos brutos em títulos da dívida pública a custo amortizado ascendiam a 4,228 biliões Kz pelo que os bancos registaram imparidades de 64,7 mil milhões Kz. Somando estas imparidades aos resultados antes de impostos no valor de 199,7 mil milhões, chegamos a resultados antes de imparidades para a dívida pública nacional de 264,4 mil milhões Kz.

Com redução do rating de Angola de B para Caa-C, as contas teriam de ser refeitas. Segundo o referido estudo da Moody’s, a probabilidade dos países com rating Caa-C, como é agora o caso de Angola, entrarem em default era de 11,709%. Cruzando esta percentagem com a média das perdas, os referidos 59%, concluímos que as imparidades a registar pelos bancos deviam ser equivalentes a 6,91% dos investimentos brutos em dívida pública a custo amortizado.

Como referido anteriormente, no final de 2019, os investimentos brutos em dívida pública a custo amortizado da banca angolana ascendiam a 4,228 biliões Kz. Aplicando a taxa de 6,91%, concluímos que os bancos deveriam registar imparidades de 292,1 mil milhões Kz.

Como os bancos registaram resultados antes de imparidades para a dívida pública nacional de 264,4 mil milhões Kz, os resultados antes de impostos seriam negativos em 27,7 mil milhões Kz. Ou seja, se refizermos as contas de 2019 com base no actual rating da Moody’s, em vez de lucros de 199,7 mil milhões Kz antes de impostos, os bancos teriam registado prejuízos de 27,7 mil milhões Kz.

As coisas ainda podem piorar se os bancos alterarem a classificação de risco dos títulos do Estado angolano. O BNA define 3 estágios para o risco de crédito sendo que o Estado angolano está no estágio 1,. São classificados neste estágio os créditos relativamente aos quais não se verifique um aumento significativo no risco de crédito, desde a data do seu reconhecimento inicial. Já os créditos relativamente aos quais se tenha verificado um aumento significativo no risco de crédito desde a data do seu reconhecimento inicial devem ser classificados no estágio 2.

Caso os títulos da dívida pública angolana passem para o estágio 2 devido à situação crítica que o País atravessa e que pode afectar a capacidade do Estado cumprir com os seus compromissos, as imparidades devem ser calculadas com base na probabilidade de incumprimento no prazo médio que falta para os títulos atingirem a maturidade. Dito de outra forma, se o prazo médio até à maturidade dos títulos de um banco for de três anos esse banco deve calcular as imparidades com base na probabilidade de incumprimento do Estado a três anos.

De acordo com o referido estudo da Moody’s, para o rating Caa-C a probabilidade de incumprimento a três anos é de 24,962%. Cruzando esta percentagem com a média das perdas, os referidos 59%, concluímos que as imparidades a registar pelos bancos deviam ser equivalentes a 14,73% dos investimentos brutos em dívida pública a custo amortizado.

Aplicando esta taxa aos investimentos brutos em dívida pública a custo amortizado da banca angolana no final de 2019 no valor 4,228 biliões Kz, concluímos que os bancos deveriam registar imparidades de 622,7 mil milhões Kz. Como os bancos registaram resultados antes de imparidades para a dívida pública nacional de 264,4 mil milhões Kz os resultados antes de impostos seriam negativos em 358,3 mil milhões Kz.

Ou seja, se refizermos as contas de 2019 com base no actual rating da Moody’s, considerando um agravamento do risco dos títulos do Estado para o estágio 2 e um prazo até à maturidade de 3 anos, em vez de lucros de 199,7 mil milhões Kz antes de impostos, os bancos teriam registado prejuízos de 215,8 mil milhões Kz.

Se reduzirmos o prazo até à maturidade dos títulos da dívida pública para dois anos, mas mantivermos todos os outros pressupostos, e refizermos as contas de 2019, em vez de lucros de 199,7 mil milhões Kz antes de impostos, os bancos teriam registado prejuízos de 215,8 mil milhões Kz.

Como revelam as contas anteriores, o impacto da baixa do rating da Moody’s de B para Caa-C nas contas dos bancos depende das hipóteses admitidas. Sendo certo que, independentemente dos pressupostos, os lucros antes de impostos de 199,7 mil milhões Kz apresentados em 2019 passam a prejuízos que vão de um mínimo de 27,7 mil milhões Kz, admitindo que o risco dos títulos do Estado continuam no estágio 1, a um máximo de 358,3 mil milhões Kz, considerando o agravamento do risco para o estágio 2 e um prazo até à maturidade de três anos. Ou seja, o sistema bancário nacional vai sair sempre fragilizado com a redução do rating da Moody’s.

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