Augusto Teixeira de Matos
Antigo ministro das Finanças e Governador do BNA
A subida generalizada dos preços, tal como se define a inflação, tem sido objecto de acções ameaçadoras e chantagem por parte de actores de algumas tendências económicas neoliberais, que prevaleceram no mundo moderno e que foram desmistificadas numa linguagem clara, simples e esclarecedora por um especialista em economia de desenvolvimento, antigo quadro sénior de Banco Mundial.
A explanação das suas ideias aponta-nos os caminhos de uma reforma monetária que liberte as distorções existentes na economia, tais como ainda a sobrevalorização da taxa de câmbio, factor que continua a estar na origem do tráfico clandestino de combustíveis para os países vizinhos, a dívida externa insustentável e outras anomalias, que abram as condutas da estabilidade e do bem-estar das populações.
Na verdade, nem toda a inflação é hiperinflação, nem ninguém admite, nos seus argumentos, que a inflação é desejável ou mesmo aceitável. Porém, é questionável afirmar que toda a inflação é nociva, seja qual for a sua taxa. A partir de 1880, alguns economistas que defendiam o livre mercado conseguiram convencer o resto do mundo de que a estabilidade económica, que eles entendiam como uma inflação muita baixa, a partir da taxa zero, deveria ser alcançada a todo o custo, uma vez que a inflação é nociva para a economia.
Assim, ao recomendar uma inflação situada entre 1 a 3% ao ano, a verdade seja dita, que não há evidências de qualquer espécie de que, em níveis baixos, a inflação seja prejudicial à economia.
Os estudos que foram realizados demonstram que quando se situa entre 8 a 10% ao ano a inflação não tem nenhuma relação com a taxa de crescimento de um país.
Salienta-se, no entanto, que também existem estudos que colocam mais alto essa percentagem da taxa de inflação, elevando esse limite e colocando-o entre 20 a 40%.
A experiência isolada de cada país também revela que uma inflação relativamente elevada é compatível com um rápido crescimento económico.
A hiperinflação que se verificou em muitos países arrastou consigo experiências dolorosas, pois que nela viam o inimigo público por excelência, mesmo quando a inflação não atingia níveis muito elevados de instabilidade económica, que normalmente era causada por uma inflação alta e flutuante, que desestimulava o investimento e, por tabela, o crescimento.
Por outro lado, começou a verificar-se um rigoroso controlo dos défices orçamentais dos Governos e uma crescente introdução de Bancos Centrais, politicamente independentes e livres para se concentrarem de forma unilateral no controlo da inflação. Assim, e tendo em vista que a estabilidade económica é necessária para o investimento a longo prazo e, por conseguinte, para o crescimento, o domínio da inflação constituiu a base para uma maior prosperidade a longo prazo.
No entanto, apesar de a inflação ter sido dominada, constatou-se que a economia mundial se tornou mais instável. Com efeito, a instabilidade do sucesso ao controlar a volatilidade dos preços não permitiu prestar maior atenção à extraordinária instabilidade exibida pelas economias no mundo. Surgiram grandes crises financeiras, de entre as quais se destacou a crise financeira mundial de 2008, que destruiu a vida de muitas pessoas e famílias, por meio do endividamento pessoal, da falência e do desemprego.
A excessiva preocupação com a inflação fez desviar a atenção de questões como o pleno emprego e o crescimento económico.
O emprego tornou-se mais instável, em nome da flexibilidade ao mercado do trabalho, o que por sua vez desestabilizou a vida de muitas pessoas.
Apesar de se afirmar que a estabilidade dos preços é a pré-condição para o crescimento, as políticas que tencionavam reduzir a inflação produziram um crescimento anémico, e foram supostamente dominadas.
Merecem, no entanto, serem mencionados alguns casos excepcionais de países que tiveram situações particulares e, em primeiro lugar o Brasil, que durante os anos de 1960 -1970 detinha uma taxa de inflação de 42% mas foi uma das economias mundiais que mais cresceu e mais rápido, com uma renda per capita aumentando 4,5% ao ano .
Segue-se a Coreia do Sul, nesse mesmo período, com uma renda per capita que aumentou 7% ao ano e apresentava uma taxa de inflação média anual de quase 20%, que, na verdade, era superior a de muitos países latino americanos.
Num outro extremo, constata-se haver indícios de políticas anti-inflacionárias excessivas, que podem, na realidade, ser prejudiciais à economia.
Com efeito, a partir de 1996, quando o Brasil começou a controlar a inflação, elevando as taxas de juros reais, isto é, as taxas de juros nominais menos a taxa de inflação, para níveis que estão entre os mais altos do mundo, de 10 a 20% ao ano, a sua inflação caiu para 7,5% ao ano, mas o crescimento económico também sofreu, pois a sua taxa de crescimento da renda per capita foi apenas de 1,3% ao ano.
Por igual experiência passou também a África do Sul, a partir de 1944, quando deu inicio às politicas de dar alta prioridade ao controlo da inflação, com taxas de juro de níveis iguais aos dos brasileiros.Constata-se, pois, que as políticas que têm em vista reduzir a inflação, na verdade, reduzem os investimentos e, por conseguinte o crescimento económico, se forem levados longe de mais.
Em 1993, o Banco Mundial afirmava no seu relatório que “a estabilidade macroeconómica estimula o planeamento e o investimento privado a longo prazo e, por intermédio do seu impacto sobre as taxas de juros reais e o valor real dos activos financeiros, ajudou a aumentar a poupança financeira”
A verdade, contudo, é que as políticas necessárias para reduzir a inflação a um nível muito baixo, de um único algarismo, desestimulam os investimentos.
Taxas de juros reais de 8, 10, ou 12% ao ano, significam que os investidores potenciais não considerariam atractivos os investimentos não financeiros, uma vez que poucos desses investimentos têm taxas de lucros superiores a 7%.
Nesse caso, os únicos investimentos lucrativos são os activos financeiros com retorno elevado de alto risco. Embora os investimentos financeiros possam impulsionar o crescimento, durante algum tempo, esse crescimento não pode ser sustentado, pois precisam, no final, estar respaldados por investimentos viáveis a longo prazo, em actividade do sector real, como ficou demonstrado pela crise financeira de 2008.
As políticas anti-inflacionárias, não apenas prejudicam o investimento e o crescimento económico, como também deixaram de atingir o seu suposto objectivo, ou seja, aumentar a estabilidade financeira.
*Antigo ministro das Finanças e ex-governador do BNA